Você sempre me disse que sua maior mágoa era eu nunca ter escrito um texto sobre você. Nem que fosse te xingando, te expondo. Qualquer coisa...
Você sempre foi o único homem que me amou. E eu nunca te escrevi nem uma frase num papelzinho amassado.
Você sempre foi o único amigo que entendeu essa minha vontade de abraçar o mundo quando chega a madrugada. E o único que sempre entendeu também minhas crises de choro quando eu constatava que já era impossível abraçar alguém, o que dirá o mundo.
Outro dia eu encontrei um diário meu, de 2003, e lá estava escrito: “hoje eu larguei meu namorado sentado e dancei com ele na festa de formatura”. Ele, no caso, é você. Dei risada e lembrei que em todos esses anos, mesmo eu nunca tendo escrito nenhum texto para você, eu por diversas vezes larguei vários namorados meus, sentados, e dancei com você. Porque você é meu melhor companheiro de dança, mesmo sendo tímido e desajeitado. Depois encontrei uma foto em que você está com um daqueles óculos escuros espelhados de maconheiro. E eu de saia rodada de bailarina. E nessa época você não gostava de mim porque eu era a cdf da classe. Mas eu gostava de você porque você tinha um cabelo de nuvem e um lindo par de olhos verdes que só ficavam verdes para mim. E eu me achei horrível na foto, mas senti uma coisa linda por dentro - deu uma saudade da gente naquele tempo. Aí lembrei que alguns anos depois, quando eu já não era mais a bobinha da classe e sim uma universitária metida à esperta que discutia livremente sobre política, religião e futebol, você viu algum charme nisso e me roubou um beijo. Eu me senti tão traidora porque tinha uma devoção cega àquele namorado que logo em seguida me abandonou. Foi ridículo. Eu chorei por dias e dias, mas assim, um choro ingênuo, choro de uma recém casada que vê seu marido indo para guerra. Chorei por outro em teu colo e você permaneceu ali. E mesmo assim, não te fiz nem sequer um texto de gratidão.
Não te escrevi nenhum pedido de desculpas, quando eu mesmo sabendo que você estaria ali na fila para ocupar a vaga no meu coração, fiz uma seleção às escuras. Optei por outro e te mantive no cargo de eterno amigo.
Também não sei por que eu não escrevi um texto quando você foi na minha casa me visitar e me viu jogada no tapete da sala aos prantos, e me disse a frase mais linda que eu já ouvi na minha vida: “eu sei que você não gosta de mim, mas deixa eu ficar perto de você mesmo assim”. Eu poderia ter escrito um texto para você, quando eu te pedi a única coisa que não se pede a alguém que ama a gente “me faz companhia enquanto ele não volta?”. E você fez. E você me olhava de canto de olho, se perguntando por que raios fazia isso com você. Talvez porque mesmo sabendo que eu não amava você, você continuava querendo apenas continuar perto. E eu me nutria disso. Me aproveitava. Sugava seu amor para sobreviver um pouco em meio à falta de amor que eu recebia dele, do outro.
Eu fui tão cruel com você e com os teus sentimentos. E mais uma vez, você estava ali oferecendo seu ombro, seu colo, seus ouvidos e seu amor.
Depois você começou a namorar uma menina e deixou, finalmente, de gostar de mim (eu acho). E eu podia ter escrito um texto para você. Claro que eu senti ciúmes e senti uma falta absurda de ti. Mas ainda assim, eu deixei passar em branco. Nenhuma linha sequer sobre isso. Depois eu também podia ter escrito sobre aquele dia que você me xingou até esgotar seu vocabulário de palavrões. Eu fiquei numa tristeza sem fim. Depois pensei que a gente só odeia quem a gente ama. E fiquei feliz. Pode me xingar quanto você quiser desde que isso signifique que você ainda gosta um pouquinho de mim.
Quando eu berro Strokes no volume mais alto ou quando eu me sinto feliz com alguma ironia barata. Tudo é você. Quando eu coloco um brinco pequeno ao invés de um grande. Ou quando eu fico em casa jogada no sofá assistindo documentários históricos. Tudo é você. Eu sou mais você do que fui qualquer homem que passou pela minha vida. E eu sempre amei infinitamente mais a sua companhia do que qualquer companhia do mundo, mesmo eu nunca tendo demonstrado isso. E, ainda assim, nunca, nunquinha, eu escrevi sequer uma palavra sobre você. Até hoje. Até essa madrugada. Em que você, pela primeira vez, foi embora sem sentir nenhuma pena nisso. Foi a primeira vez, em todos esse anos, que você simplesmente foi embora!!! Como se eu não fosse nada ou que não tivesse nenhuma importância. Você se foi. Me abandonou sem aviso prévio. E o que você usa para não sentir dor ou saudade? Foi a primeira vez que você deixou de me olhar, de ficar por perto. E foi por isso, porque você deixou de ser o menino que me amava e passou a ser um homem de verdade , que se respeita, que se impõe e que talvez ainda me ame, mas que mais que isso, se ama, que agora, só agora, você mereceu um texto meu.